quarta-feira, 18 de maio de 2011

O jogo



Não venha atrás de mim se você não está pronto
Não estou interessada em casa de bonecas
Melhor ficar longe se não sabe jogar
Tem certeza que quer me provocar?
Porque se você busca meu beijo tão impetuosamente
É melhor estar segurando os dados

Não te chamei pro meu tabuleiro
Não venha achando que entra e sai ligeiro
Vai se doar na hora que eu começar
Te guardei um bom vinho tinto
É hora de seguir teu instinto
Meu corpo pode ser um labirinto
Se você quiser jogar, deixarei você se perder

Escolha o teu caminho que a música vai rolar
Rola os dados, se enrole em mim
E se o jogo é nosso, não pode ser ruim
Mande tuas regras e não seja um perdedor
Vou tentar fugir, posso ser tua presa
Se quiser brincar de ser predador

Não tenho pressa, sei apreciar teus passos
Porque eu gosto quando me aperta no corpo
E devagar escorre as mãos nas curvas

Se nesse jogo as peças são nossas
Posso ser dama, posso ser peão
Te quero bispo, te faço rei
Se sou a dona, te dito a lei
Mas se quer ser forte e tentar a sorte
Eu fecho os olhos e deixo você se mover
Então é por tua conta, me mostre o que tem

Me agrada os teus movimentos
Quando alterna lentos e mãos vorazes
Quando me vê com olhos ferozes
E em seguida te derrubo tão segura na jogada
Somos os únicos vencedores e perdedores
E em você eu faço questão de me perder


 M.A.L.L.

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Insônia


Ele saiu sem se despedir, nem ao menos fechou a porta. Deitei no granito frio, as lágrimas escorriam e molhavam meu cabelo assanhado. Passei horas tentando me convencer de que ele voltaria pela manhã, atravessaria aquela porta e me tomaria nos braços de novo. Ele não veio, fui obrigada a continuar a vida com um sorriso imaginário nos lábios desertados.
Foi tão sutil que eu mal percebi quando estava perdendo partes de mim. Começou roubando meus pensamentos, meu amor, logo depois até minha respiração ficou diferente. Tomou minhas razões, meus motivos, quebrou minhas regras. E depois de tudo, me deixou sozinha com minhas ilusões.
Agora com esse gosto amargo na boca, eu tento fechar os olhos e me desligar das emoções que me dominam, porque sou estupidamente passional e não consigo simplesmente expulsar a imagem dele da minha mente. Me reviro na cama, que agora parece tão grande, sem conseguir acalmar esses olhos vermelhos e esse coração dolorido.
Estou aprendendo a respirar como se deve, estou aprendendo a não ter que fingir um sorriso. Tento convencer meu coração que ele só deve fazer sístole e diástole numa tentativa de me sentir livre de novo, sair dessa prisão que eu criei, quebrar essas grades de sentimentos de mão única. Já é hora de despejar esse passado, fechar a porta e me deitar para ter uma boa noite de sono.

M.A.L.L.

domingo, 15 de maio de 2011

Iceberg

Eu estava tentando não pensar em você, estava tentando seguir em frente e construir alguma coisa de verdade. Eu não controlo meus sonhos, e neles meus desejos mais íntimos se manifestam me obrigando a não te esquecer. Acordei cheia de castelos de ilusões, me revirei na cama como se pudesse sentir teu corpo ao meu lado. Em qual parte do caminho nos desencontramos? Sinto falta da tua pele, dos teus lábios bem desenhados, do teu cabelo preto, do teu cheiro gostoso. Eu deveria desistir desse nós que nunca existiu, sair do barco antes que ele afunde. Estou fazendo tudo errado. Vou deixar você sair de mim, vou dar um jeito de continuar andando. Ainda temos tempo pra uma última noite antes do iceberg. Uma última noite pra nós, só eu e você antes de tudo se dissolver em tragédia. Então suspire no meu pescoço, me aperte e me deixe sem ar como da última vez. Não me deixe escapar, me puxe, me morda e me beije como se eu fosse a única. Quando amanhecer sem você, quero apenas ser uma náufraga coberta por tuas marcas. 

M.A.L.L.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

O trem



Aqui estou sentado esperando o trem enquanto cai uma chuva fraca na plataforma. Acendo um cigarro. Posso ver meu reflexo numa poça d’água aos meus pés. Quem é esse homem de olhos cansados? Um boêmio, um sujo, um errante. Barba de três dias e roupa amassada. Perfume. Suor. Cigarros.

Peguei a seda no bolso, apertei um baseado. Foda-se a polícia, foda-se a moralidade, afinal de contas todo homem tem direito a uma vela do seu bolo de aniversário. Não me considero um homem muito bonito, mas não posso negar que tenho meu charme. E ainda falo isso dando um sorrisinho malicioso.

Não Lembro o nome da mulher que encontrei no bar na noite passada, ela deveria ser meu presente de aniversário, mas DEUS! Ela não calava a boca um segundo. Loura, cabelo Chanel, 20 e poucos anos, vestido preto. E eu pensava "Lindinha, chega de conversa inútil, tenho uma utilidade melhor pra sua boca." Eu nada dizia, apenas bebericava meu Jack Daniels e pagava margueritas pra ela enquanto esperava que cansasse de falar besteira. Uma hora e meia depois meu presente de aniversário estava só de salto alto embaixo de mim, o que acabou trazendo de volta lembranças da mulher mais interessante que já conheci. Maria.

Essa loura nada tinha a ver com a linda Maria, a não ser o fato que também transava só de salto alto. Quando nos conhecemos ainda éramos muito jovens, ela e seus 22 anos e eu e meus 25 anos. Conhecemo-nos num pub. Lembro quando nossos olhos se encontraram, e ela veio se sentar ao meu lado no bar. Apenas bebemos e conversamos a noite toda. Na outra noite nos encontramos no mesmo bar. Até hoje não sei o verdadeiro nome dela, foi nessa segunda noite que criamos nossos nomes. Maria pra ela porque é um nome bonito e simples. Com uma dose de uísque, ela me batizou de Alexandre. Ela costumava falar baixinho no meu ouvido "Alexandre, o grande" e dava uma risada deliciosa quando me via já excitado.

Durante 3 anos nos encontramos todas as sextas feiras às 23h no mesmo pub. Ela era a única pessoa com quem eu gostava de conversar, mas tínhamos nossas regras. Nunca falávamos das nossas vidas de verdade, não falávamos sobre família ou emprego. Na verdade, não falávamos muito, por isso nos entendíamos tão bem. Eu gostava de ficar bebendo e observando seus olhos. Maria sempre aparecia perfumada, variava muito no tipo de roupa que ia de acordo com o seu humor, mas sempre usava salto alto.

Nunca vou me esquecer de Maria. 1,60m de altura, 52kg, olhos castanhos, cabelo castanho claro enrolado nas pontas cobrindo seus seios que cabiam nas mãos.

No primeiro ano ela sempre tomava martinis. Conversávamos sobre nossas desventuras sexuais, como acordávamos e íamos embora sem nos despedir de nossas presas. Maria era muito Alexandre, sendo assim eu não a julgava. Como eu, ela não achava a vida essas coisas de interessante. Certa vez fumamos um baseado e filosofamos sobre o porquê de existirmos, rimos por vários minutos ao concluirmos que nossa função na terra era apenas a de produzir orgasmos. Qualquer outra pessoa nos definiria como a escória da humanidade, mas tínhamos sexo demais a fazer pra nos preocuparmos com isso. Na cama (ou em qualquer lugar) éramos perfeitos juntos, nos encaixávamos como se nossos corpos tivessem sido feitos um para o outro. Sabíamos que tudo era bom e certo porque ambos não amavam. Porque o amor não te deixa escolhas, o amor faz você ficar estúpido e ter uma vida de merda. Éramos perfeitos, porque éramos apenas Maria e Alexandre.
 
No segundo ano já éramos muito íntimos. Certa noite ela me confessou o seu pior crime, ela já tinha se apaixonado uma vez. Então aí eu percebi porque tantas vezes encontrei seus olhos tristes, porque ela chorava e logo em seguida tomava uma dose e ria da vida. Maria tinha cicatrizes que ninguém poderia ver, que nem mesmo eu percebi. Mas agora ela estava curada, sendo como eu ela poderia curtir a vida à vontade e sem dor.

No terceiro ano, eu tinha a sensação de que Maria sempre existiu na minha vida, e já estava quase convencido que meu nome era Alexandre. Para os que acreditam em amor vão pensar que se trata de almas gêmeas. Mas pra mim sempre foi muito mais do que isso, mais do que sexo, mais do que amor, era simplesmente a perfeição. Eu era um boêmio feliz, sexo com várias mulheres, sexo com a Maria, bebidas, cigarros, dinheiro... Que porra mais eu poderia querer na vida?

Escuto o barulho do trem que vem vindo. 30 cigarros. 30 velinhas do meu bolo de aniversário. CÉUS, o que aconteceu comigo?!

Voltemos a minha história, a minha última história.

Maria tinha seus vícios e manias que para mim faziam parte dela e, portanto, não eram ruins. Ficava mexendo no cabelo arrumando-o, mas não mudava nada. Ela sempre aparecia com uns arranhões nas costas que eu percebi que ela mesma fazia e nem notava. Quando estava pensando obscenidades sorria mordendo o lábio inferior, quando estava triste por alguma razão usava uma maquiagem mais forte. Eu gostava e observava cada detalhe de Maria, pra mim ela era perfeita.

Estava chovendo na última noite que tive Maria. Ela estava diferente, e há algum tempo eu já tinha percebido que ela não era mais como antes. Estava com uma maquiagem escura nos olhos tristes e um sorriso irônico que a deixava parecendo uma louca. Ela me beijou e sentou-se ao meu lado no bar. Primeiro ficou insistindo para que corrêssemos na chuva, o que eu desconversei pedindo outra dose. Depois ficou rindo e falando frases sem sentido. "O trem me espera, Alexandre. Quantos comprimidos serão necessários? Não, não... nada disso é real." Fomos a um motel, ela ainda ria como louca. Gritos, suspiros, suor, e ao fim de tudo ela me deu um beijo na testa. Quando eu acordei, ela não estava mais lá.

E foi assim, nunca mais a vi fora dos meus sonhos. As sextas-feiras passaram a me torturar, enquanto eu ia sistematicamente aquele pub na esperança de encontrá-la de novo. Eu repassava todos os meus passos na tentativa de ver o que aconteceu e por que ela resolveu partir.

Agora, 2 anos depois, vejo que usei minha vida muito rápido. A vida, que já não tinha sentido pra mim, se tornou muito mais sem graça. Me sinto podre e totalmente esgotado, até respirar me dá nojo. Bem, é só isso. O trem tá chegando, minha última viagem. Vou tropeçar nos trilhos pro meu último destino.

A.


M.A.L.L.

domingo, 8 de maio de 2011

Sozinha


Estávamos rindo juntos quando ele me surpreendeu falando: "Você não sabe o quanto eu te amo, garota. Acho que assim que sossegar essa minha fase de doido, vou conquistar esse teu coração e tomá-lo pra mim."
Automaticamente eu comecei a interpretar aquilo, porque pra mim as coisas nunca são como deveriam ser, e todas as palavras podem me levar do céu ao inferno. O que é amor pra mim, muitas vezes não é a mesma coisa pras outras pessoas e isso sempre acaba me magoando. Enquanto as interpretações enchiam a minha cabeça eu respondi como se aquilo fosse um joguinho: "E pra quê você quer um coração todo destruído?" E ele disse: "Pra cuidar dele, oras." Como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo, como se todas as marcas pudessem ser reparadas. Acho que ele não percebeu o quanto meus olhos já estavam cansados de brincar de amor.
Ficamos um tempo em silêncio até que ele falou de novo: "Sabe, eu nem ligo mais se o mundo vai acabar ou não, na verdade, eu quero mesmo que acabe. Porém, eu jamais desejaria isso sem te ver feliz primeiro."
Dessa vez eu não respondi com palavras, eu apenas dei um risinho cético. Me ver feliz, me ver feliz, me ver feliz. Suspirei. Como ele acha que vai conseguir isso eu não sei, estou tão cansada de tudo, é tão difícil confiar nas pessoas. O segredo que não é segredo pra diminuir as mágoas é não esperar, não criar expectativas. Mas eu estou parada no tempo, estou presa observando as coisas ruírem. Silêncio. Comecei a recordar de tantos passos, tantos corpos, tantos suspiros que ficaram no passado, e hoje só me restam marcas doloridas.
Dei um abraço apertado nele, como se aquilo pudesse me despertar. Ele beijou minhas mãos e decidiu que era hora de me deixar, afinal eu já estava sozinha há muito tempo.

M.A.L.L.