Aqui estou sentado esperando o trem enquanto cai
uma chuva fraca na plataforma. Acendo um cigarro. Posso ver meu reflexo numa
poça d’água aos meus pés. Quem é esse homem de olhos cansados? Um boêmio, um
sujo, um errante. Barba de três dias e roupa amassada. Perfume. Suor. Cigarros.
Peguei a seda no bolso, apertei um baseado. Foda-se
a polícia, foda-se a moralidade, afinal de contas todo homem tem direito a uma
vela do seu bolo de aniversário. Não me considero um homem muito bonito, mas não
posso negar que tenho meu charme. E ainda falo isso dando um sorrisinho
malicioso.
Não Lembro o nome da mulher que encontrei no bar na
noite passada, ela deveria ser meu presente de aniversário, mas DEUS! Ela não
calava a boca um segundo. Loura, cabelo Chanel, 20 e poucos anos, vestido
preto. E eu pensava "Lindinha, chega de conversa inútil, tenho uma
utilidade melhor pra sua boca." Eu nada dizia, apenas bebericava meu Jack
Daniels e pagava margueritas pra ela enquanto esperava que cansasse de falar besteira.
Uma hora e meia depois meu presente de aniversário estava só de salto alto
embaixo de mim, o que acabou trazendo de volta lembranças da mulher mais
interessante que já conheci. Maria.
Essa loura nada tinha a ver com a linda Maria, a
não ser o fato que também transava só de salto alto. Quando nos conhecemos
ainda éramos muito jovens, ela e seus 22 anos e eu e meus 25 anos.
Conhecemo-nos num pub. Lembro quando nossos olhos se encontraram, e ela veio se
sentar ao meu lado no bar. Apenas bebemos e conversamos a noite toda. Na outra
noite nos encontramos no mesmo bar. Até hoje não sei o verdadeiro nome dela,
foi nessa segunda noite que criamos nossos nomes. Maria pra ela porque é um
nome bonito e simples. Com uma dose de uísque, ela me batizou de Alexandre. Ela
costumava falar baixinho no meu ouvido "Alexandre, o grande" e dava
uma risada deliciosa quando me via já excitado.
Durante 3 anos nos encontramos todas as sextas
feiras às 23h no mesmo pub. Ela era a única pessoa com quem eu gostava de
conversar, mas tínhamos nossas regras. Nunca falávamos das nossas vidas de
verdade, não falávamos sobre família ou emprego. Na verdade, não falávamos
muito, por isso nos entendíamos tão bem. Eu gostava de ficar bebendo e
observando seus olhos. Maria sempre aparecia perfumada, variava muito no tipo
de roupa que ia de acordo com o seu humor, mas sempre usava salto alto.
Nunca vou me esquecer de Maria. 1,60m de altura,
52kg, olhos castanhos, cabelo castanho claro enrolado nas pontas cobrindo seus
seios que cabiam nas mãos.
No primeiro ano ela sempre tomava martinis.
Conversávamos sobre nossas desventuras sexuais, como acordávamos e íamos embora
sem nos despedir de nossas presas. Maria era muito Alexandre, sendo assim eu
não a julgava. Como eu, ela não achava a vida essas coisas de interessante.
Certa vez fumamos um baseado e filosofamos sobre o porquê de existirmos, rimos
por vários minutos ao concluirmos que nossa função na terra era apenas a de
produzir orgasmos. Qualquer outra pessoa nos definiria como a escória da
humanidade, mas tínhamos sexo demais a fazer pra nos preocuparmos com isso. Na
cama (ou em qualquer lugar) éramos perfeitos juntos, nos encaixávamos como se
nossos corpos tivessem sido feitos um para o outro. Sabíamos que tudo era bom e
certo porque ambos não amavam. Porque o amor não te deixa escolhas, o amor faz
você ficar estúpido e ter uma vida de merda. Éramos perfeitos, porque éramos
apenas Maria e Alexandre.
No segundo ano já éramos muito íntimos. Certa noite
ela me confessou o seu pior crime, ela já tinha se apaixonado uma vez. Então aí
eu percebi porque tantas vezes encontrei seus olhos tristes, porque ela chorava
e logo em seguida tomava uma dose e ria da vida. Maria tinha cicatrizes que
ninguém poderia ver, que nem mesmo eu percebi. Mas agora ela estava curada,
sendo como eu ela poderia curtir a vida à vontade e sem dor.
No terceiro ano, eu tinha a sensação de que Maria
sempre existiu na minha vida, e já estava quase convencido que meu nome era
Alexandre. Para os que acreditam em amor vão pensar que se trata de almas
gêmeas. Mas pra mim sempre foi muito mais do que isso, mais do que sexo, mais
do que amor, era simplesmente a perfeição. Eu era um boêmio feliz, sexo com
várias mulheres, sexo com a Maria, bebidas, cigarros, dinheiro... Que porra
mais eu poderia querer na vida?
Escuto o barulho do trem que vem vindo. 30
cigarros. 30 velinhas do meu bolo de aniversário. CÉUS, o que aconteceu
comigo?!
Voltemos a minha história, a minha última história.
Maria tinha seus vícios e manias que para mim
faziam parte dela e, portanto, não eram ruins. Ficava mexendo no cabelo
arrumando-o, mas não mudava nada. Ela sempre aparecia com uns arranhões nas
costas que eu percebi que ela mesma fazia e nem notava. Quando estava pensando
obscenidades sorria mordendo o lábio inferior, quando estava triste por alguma razão usava uma maquiagem mais forte. Eu gostava e observava cada detalhe de
Maria, pra mim ela era perfeita.
Estava chovendo na última noite que tive Maria. Ela
estava diferente, e há algum tempo eu já tinha percebido que ela não era mais
como antes. Estava com uma maquiagem escura nos olhos tristes e um sorriso
irônico que a deixava parecendo uma louca. Ela me beijou e sentou-se ao meu
lado no bar. Primeiro ficou insistindo para que corrêssemos na chuva, o que eu desconversei pedindo outra dose. Depois ficou rindo e falando frases sem sentido. "O trem me espera,
Alexandre. Quantos comprimidos serão necessários? Não, não... nada disso é
real." Fomos a um motel, ela ainda ria como louca. Gritos, suspiros, suor,
e ao fim de tudo ela me deu um beijo na testa. Quando eu acordei, ela não
estava mais lá.
E foi assim, nunca mais a vi fora dos meus sonhos.
As sextas-feiras passaram a me torturar, enquanto eu ia sistematicamente aquele
pub na esperança de encontrá-la de novo. Eu repassava todos os meus passos na
tentativa de ver o que aconteceu e por que ela resolveu partir.
Agora, 2 anos depois, vejo que usei minha vida
muito rápido. A vida, que já não tinha sentido pra mim, se tornou muito mais
sem graça. Me sinto podre e totalmente esgotado, até respirar me dá nojo. Bem,
é só isso. O trem tá chegando, minha última viagem. Vou tropeçar nos trilhos
pro meu último destino.
A.
M.A.L.L.
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